Primeiro o Verão quente. Depois o Outono frio. Outras estações...

26.10.07

Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa

E este o titulo da cronica de Antonio Lobo Antunes da Visao da semana passada. Adorei. Senti uma empatia tao grande com estas palavras, que as quis por aqui!
(tem e que ser a pata, nao encontro isto na net...)

"Este final de Setembro, o mes dos meus anos, tem-me custado. Perguntas sobre perguntas acerca de mim mesmo e a angustia do sentido da vida e da forma como me relaciona com ela. O que posso fazer, o que devo fazer? Ha um livro a sair agora, trabalho noutro: e depois? Que significa isto para mim? Os meus defeitos: as minhas insuficiencias, os meus erros. Sempre imaginei que um livro resgatava tudo: mas nao resgata. E no entanto continuo a escrever, como se esse acto contivesse em si a minha salvacao. Sei bem que chegara um tempo em que apenas os livros hao-de contar porque eu, enquanto pessoa, nao tenho importancia alguma, as vezes nem para mim mesmo. Vou-me olhando de forma cada vez mais distanciada e sem indulgencia. A impressao, melhor: a certeza de ter falhado. O que? Nao estou deprimido, nao me sobra tempo para depressoes, sou apenas um homem, diante do seu espelho interior, que nao gosta do que ve.O que poderia ter feito? O que deveria ter feito? Esta permanente tortura que a gente disfarca.(...)
Agora e manha e esta sol. Nenhum ruido a minha volta. Se eu pudesse passar avida a limpo, como diz o Drummond, corrigia quase tudo. Que pena nao podermos emendar os dias, o que fizemos, o que somos. Um demonio qualquer distorceu-me tudo ou fui eu quem distorceu tudo?(...) Fui sempre honesto a escrever. E nas outras coisas? Estarei a ser pretencioso ao julgar que sim?
Agora e manha e esta sol. Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa, escreveu Fernando Assis Pacheco. Tao linda a minha cidade com sol, tao lindo o meu pais com sol. Vem ai o outono, o inverno, o cinzento dos dias que desbota em nos. Nao me apetece nada o frio, a chuva. Se eu fosse Deus, parava o sol sobre Lisboa. Sinto-o na rua, mesmo com os vidros bacos.
- Esta solzinho, que horas sao? perguntava o cego. Estes nossos diminutivos de que tanto gosto. Esta maravilhosa lingua tao plastica, tao ductil. Que sorte escrever em portugues. (...) Oxala o sol continue parado sobre Lisboa, parado sobre mim e eu embalsamado nele. Vestido dele. Afogado nele. (...)
Na tropa tinhamos um dentista que era um soldado a quem ensinaram a arrancar dentes. A gente sentava-se numa cadeira de bracos, ele pegava num alicate, dizia "Frime-se" e comecava a puxar.(...) Nos momentos de desespero ordeno-me "Frima-te" e comeco a puxar o primeiro dente da alma que apanho, de joelho apoiado em mim mesmo. (...) Ora ai esta a solucao: parar o sol sobre Lisboa, parar o sol sobre mim "Frima-te Antonio" ate deixar de ter precisao de frimar-me."
Antonio Lobo Antunes, Visao, 18 de Outubro de 2007

2 comentários:

Esgrov disse...

FIRMA-TE CA"#AO.... FIRMA-TE.... e não é que resultou... 10:30 e um sol esplendoroso.... irra o aquecimente global vais nos fritar a todos.... em lume lento mas vai...

Paulo Custódio disse...

Isto faz-me lembrar um jogo que de quando a quando vou jogando com quem está por perto, chamado "Se eu fosse faraó".
Essencialmente é a mesma coisa, com menos prosa polida e mais maldade mesquinha.
E é um tributo à equidade entre pares, uma vez que nunca há vencedores nem vencidos: só a minha opinião é que conta.
Agora que penso nisso, se calhar, tenho jogado isto sempre sozinho, e decidi povoar a imagem na minha cabeça com pessoas apenas para emprestar alguma cor à cena.